
Ao visitar a página do Senado Federal, fui surpreendia pela exposição da seguinte enquete popular: Você é a favor da aprovação do projeto de lei (PLC 122/2006) que pune a discriminação contra homossexuais? (grifo nosso)
Esta enquete, que segundo o Senado, é meramente opinativa (e não consultiva por parte dos Senadores), visa abrir um debate público no sentido de saber a opinião da sociedade sobre a criminalização ou não da discriminação por orientação sexual.
Conforme grifamos acima, a própria enquete revela um detalhe interessante e que, ao que parece, passou despercebido pelo seu idealizador: a mesma questiona se o cidadão que irá responder ao questionamento é a favor ou contra a aprovação do projeto de lei que visa punir a discriminação contra homossexuais.
Numa leitura apurada, percebe-se que a própria pergunta afirma uma realidade: a da discriminação contra homossexuais. Ela existe. Tanto é verdade que foi criado um projeto de lei. E mais verdade ainda pelo fato de se realizar uma enquete para saber se esta discriminação deve ou não acabar.
Ora, o próprio criador da enquete está afirmando que a discriminação existe, que um projeto de lei para coibir isso também existe e, apesar disso, ainda pergunta à sociedade se esta é a favor ou contra a discriminação de homossexuais.
Façamos uma inversão dos termos. Ao invés de homossexuais, vamos substituir a expressão por outra: negros, por exemplo. Aí teríamos a seguinte enquete:
Você é a favor da aprovação do projeto de lei que pune a discriminação contra negros?
Façamos o mesmo exercício substituindo a expressão “homossexuais” por outros seguimentos sociais:
- Você é a favor da aprovação do projeto de lei que pune a discriminação contra idosos?
- Você é a favor da aprovação do projeto de lei que pune a discriminação contra portadores de deficiência?
- Você é a favor da aprovação do projeto de lei que pune a discriminação contra judeus?
- Você é a favor da aprovação do projeto de lei que pune a discriminação contra senadores? (senadores não podem ser discriminados, é claro!)
Não obstante alguns já estejam devidamente amparados pela Lei (judeus, negros, nordestinos etc), o exercício se revela interessante.
A questão me lembra a personagem Dra. Lorca, do programa Zorra Total: “negros não pode”, mas “homossexuais pode”?
Só para lembrar aos Senadores um detalhe muito importante: o art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal, diz quais são os objetivos da República:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O sábio criador da referida enquete, objeto da presente reflexão, está perguntando à população se discriminar gays deve ser considerado ilegal ou não, quando está claro na Constituição que qualquer forma de discriminação é proibida. Não é o povo quem deve dizer isso por meio e uma enquete, é a própria Constituição Federal quem diz que não pode. Não importa quem sejam: negros, índios, idosos, tatuados, homossexuais ou até senadores. Todos estão amparados pela égide da Carta Constitucional.
Logo que foi ao ar, esta aberração virtual, proposta pelo Senado Federal, iniciou uma guerra de forças nunca antes vista na Internet: de um lado, religiosos de todo o canto pipocando desesperadamente, em todas as comunidades possíveis, incitando todos os segmentos contrários a votarem na opção “não”. Estamos num país democrático, e este não é o “x” da questão. O problema é que os contrários encontraram um forma de burlar o sistema e votar mais de uma vez. Percebendo que os adeptos do “não” estavam tentando demonstrar uma desaprovação que não existe na realidade, os homossexuais e simpatizantes a favor da opção “sim” para o projeto começaram a fazer o mesmo, afinal, a desonestidade começou justamente do lado opressor. Quem é oprimido está farto disso e luta com as mesmas armas, se necessário for, a fim de ter seus direitos tutelados. O resultado é que a enquete está longe de refletir a opinião real dos internautas, e seja qual for o resultado, não irá refletir a verdade.
Esta enquete nos remete a um determinado fato religioso que se perpetua através dos últimos 2000 anos contados de geração a geração. Rezam alguns segmentos religiosos que um homem foi julgado de maneira injusta porque o seu juiz, aquele que tinha o poder de vida e de morte sobre ele, decidiu ouvir “a voz do povo”. O resultado foi que o povo trocou a vida de um homem bom pela de um assassino. O homem bom foi crucificado um pouco depois do juiz ter lavado as mãos.
Será que é isso que o Senado aparenta fazer? Lavar as mãos, como fez Pôncio Pilatos? Eximir-se de votar o projeto de lei a casa legislativa não pode, mas durante a votação do projeto de lei, ninguém tenha dúvidas de que muitos usarão o argumento da enquete falaciosa para justificar sua negativa contra a aprovação do projeto de lei que salvaguarda homossexuais de um crime. Sim, foi isso que eu disse: crime. Os homossexuais estão tendo seus direitos violados criminosamente, todos os dias, enquanto o Senado se prontifica a realizar uma enquete para saber se o povo é a favor ou contra discriminar gays e lésbicas.
O fato é que não se deveria, em hipótese alguma, consultar o povo sobre os direitos que envolvem um grupo. Mesmo que seja uma “brincadeira virtual”, sabemos que o Senado Federal não existe para brincar. Foi colocada uma questão no ar e chamou-se a população virtual para opinar. É contra a democracia pedir para uma maioria opinar sobre o destino, a vida, a segurança e a felicidade de uma minoria. É uma piada, para não ter que dizer vergonhoso.
O argumento será, certamente: “a voz do povo é a voz de Deus”, pois o que não faltam são políticos religiosos e fervorosos que se esqueceram de que a Bíblia não é a Constituição Federal.
Também não nos esqueçamos que a mesma “voz do povo, que é a voz de Deus” foi aquela que mandou Jesus Cristo para o calvário. Farão o mesmo com os homossexuais?
Lavem as mãos, senhores Senadores. Lavem as mãos e cometam um novo erro histórico. Existem várias formas de se entrar para a história e uma delas é por meio da omissão.
Vide Pôncio Pilatos.
Estou mandando o texto acima para o Senado Federal. Quem quiser fazer o mesmo, eis o email: agencia@senado.gov.br
Adorei seus argumentos, seus pontos, tudo que vc escreveu me chamou a atenção e de fato tudo tem muito a ver. Acho que mais pessoas deveriam se conscientizar da burrada que o senado está fazendo e dá suas sugestões como vc fez para que talvez possamos mudar a realidade de país cheio de injustiças!
ResponderExcluirOra, quem disse que o "Não" não corresponde a realidade? Quem disse que os que votaram "Não" trapacearam?
ResponderExcluirOutro erro que parece uma inversão da realidade: Se a enquete beneficiou algum grupo, esse grupo foi os do "SIM", pois a enquete e tendenciosa, pois para ser justa deveria dizer: Você é a favor da aprovação do projeto de lei (PLC 122/2006)?
E deixar as pessoas lerem a proposta PLC 122. Mas mesmo essa ajudada, ainda assim perderam e depois ficaram bravos.
Bem, posso dizer que negro não escolhe ser negro, idoso não escolhe ser idoso, judeu não escolhe ser judeu, mas homossexual escolhe, sim, ser homossexual. Só isso demonstra que o argumento usado é falacioso.
Os conservadores não são a favor da discriminação dos homossexuais, aliás são os maiores protetores dos direitos iguais para todos e punição dos criminosos.
Mas a PLC 122 é a lei da perseguição religiosa, lei para tirar direito dos pais de educarem seus filhos na orientação sexual correta.
A PLC 122 é uma aberração jurídica e Inconstitucional.
Votar no "Não" a PLC 122 é votar a favor da verdade e da justiça.
James.
ResponderExcluirEu sou homossexual e não escolhi ser homossexual. Assim como os mais de 8 milhões de LGBT do Brasil, que não escolheram suas orientações sexuais! De onde vc tirou que homossexual escolhe ser homossexual ???
Simplesmente pelo fato incontestável que ninguém nasce homossexual, mas a homossexualidade é um hábito adquirido.
ResponderExcluirNão sou contra os homossexuais, e desejo que eles vivam em paz e felizes como queiram e com quem quiserem, mas a PLC 122/06 é a lei que coloca os homossexuais com cidadãos especiais, e oficializa a perseguição religiosa e a livre expressão. Uma lei que pode ser interpretada para tirar o direito dos pais darem orientação sexual para seus filhos é uma lei contra a família.
Há tantas formas de criminalizar a discriminação, aliás, que já existe na constituição, mas a forma como vem a PLC 122/06, é absurda e inconstitucional. Parece que a PLC 122/06 foi feita, não para proteger os homossexuais, mas feita para perseguir religiosos, restringir a livre expressão e direito dos pais, criar classes privilegiadas de cidadãos.
Desejo felicidades para você, mas pense bem e tente ver as nuances e o absurda da PLC 122/06. Discriminação não, e perseguição religiosa também não.
Um abraço!
No PLC 122 não diz nada relacionado com Igrejas e Religiões.
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