A soma de uma confusa Lea T e a homofobia da Vênus Platinada cria a entrevista que nunca deveria ter ido ao ar.
Eu sempre torci por Lea T. Para muitos, ela é um ícone entre as transexuais femininas. Rompeu barreiras, trouxe a público sua dolorosa história e com isto facilitou a discussão da Transexualidade na mídia, na casa de outros transexuais e entre o próprio movimento LGBT, nós ainda pouco conhecemos deste universo, para muitos de nós ditos ativistas a Transexualidade ainda é um desafio a ser quebrado.
Neste domingo último, domingo que abriu as celebrações da Semana da Visibilidade de Travestis e Transexuais , Renata Ceribelli, repórter do programa dominical Fantástico da Rede Globo de Televisão, trouxe uma entrevista com Lea T. A entrevista que poderia ser utilizada posteriormente para mudar paradigmas, quebrar preconceitos e por fim ,oferecer maior liberdade às pessoas transexuais teve o efeito inverso, a matéria só não trouxe uma Lea confusa e arrependida como também nos brindou com uma repórter sensacionalista e com uma edição feita para o aumento da transfobia em nossa sociedade.
Lea T., busca a sua felicidade, busca sua identidade que para ela ainda é desconhecida, busca seu lugar no mundo que não aceita os diferentes, os que ousam quebrar um padrão pré-estabelecido. Sua ingenuidade no que responder é terrivelmente visível, ela não sabia bem o que estava fazendo ali e buscava em sua memória recente fatos que fizessem com que a entrevista mudasse de rumo, era visível a tristeza e o desconforto de Lea no decorrer do bate papo. Renata Ceribelli não poupava Lea, e com perguntas tipicamente preconceituosas encurralava Lea contra a parede por conta de sua insegurança.
“Ceribelli: Você hoje é 100% mulher?
Lea: Não. Eu nunca vou ser cem por 100% mulher.
Ceribelli: Você continua com o seu lado masculino?
Lea: Eu continuo.eu tenho minha parte masculina. Eu calço 42. Eu tenho uma mão enorme, eu tenho o ombro largo. Eu tenho umas coisas masculinas no corpo.
Ceribelli: Mas você não via antes da cirurgia. Por que você falava: não, eu sou uma mulher num corpo de homem?
Lea: Eu queria reprimir, eu reprimia muito. Quando, do momento que eu fiz a minha cirurgia e que eu fiquei um mês deitada na cama, eu entendi que isso tudo é uma bobeira.
Ceribelli: e quando você se olhou no espelho e não era o mesmo corpo?
Lea: Era o mesmo corpo. Mudou só um detalhe.
Ceribelli: Lea, você é mais mulher ou mais homem?
Lea: Eu sou eu. Eu diria que eu sou eu.”
O Fantástico poderia pautar, junto com a entrevista, como é realizado todo o processo de Transgenerilização pelo SUS que obriga sério acompanhamento psicológico, psiquiátrico, endocrinológico seu e com Assistentes Sociais dois anos antes da cirurgia (que é irreversível). Da forma que foi apresentada a cirurgia de Lea – que fez sua cirurgia na Tailândia e não sabemos quais os procedimentos psicológicos e psiquiátricos foram adotados - a Globo, assumiu o risco e o fez, de banalizar a transexualidade em todos os processos de pré e pós operatório, bem como, transformou a história de Lea como algo ruim, uma vez que reforçou na matéria suas dúvidas e a classificou como “arrependida da cirurgia”:
“Ceribelli: Em algum momento você falou: ah, eu não devia ter feito isso?
Lea: Eu fiquei um mês, sentindo dor, pensando nisso. Eu não aconselho essa cirurgia pra ninguém.”
Lea tem direito a busca da felicidade, ela está no caminho e torço para que a encontre em breve. Mas precisa saber se colocar frente às câmeras, precisa perder a ingenuidade. Urubus de todo lado estarão esperando uma única vírgula dela para que possam destruir a imagem das Transexuais por conta da transfobia.
Se Lea está feliz ou não com a cirurgia, é algo que ela deverá descobrir por si só, não seremos nós que vamos dizer até que ponto a cirurgia ajudou Lea ou não, afinal de contas quem fez a cirurgia foi ela e não nós e nem a Rede Globo.
Em um determinado momento Lea fala sobre ter mudado apenas um detalhe em seu corpo com a cirurgia, Ceribelli diz que é um detalhe importante, Lea finaliza: “Para a Sociedade!”. Sobre isso conversei com a Dra. Luísa Helena Stern, advogada e militante dos direitos das Travestis e Transexuais: “Sim e não. A cirurgia genital não muda apenas um "detalhe", em hipótese alguma. Para mim, ela muda o mais importante. Por outro lado, ela tem uma certa razão ao dizer que existem pessoas que fazem a cirurgia para agradar os outros. Isso acontece em alguns casos, e aí que existe o risco de arrependimento” , completa Luísa.
Eu ainda pergunto para Dra. Luísa se ela (Lea) fizesse a cirurgia somente para agradar os outros ela continuaria sendo uma transexual? Obtenho a resposta: “Isso é relativo, depende muito de como ela se identifica. Há casos de gente que sempre se identificou como travesti, e pensa que fazer a cirurgia vai livrá-la do estigma e tornar a sua vida melhor, e isso dificilmente acontece, porque o preconceito continua o mesmo.”.
A matéria somente não foi um desastre total por conta de uma personagem inesperada: Toninho Cerezo, jogador de futebol e pai de Lea. E com as palavras dele é que quero terminar esta postagem! Valeu, Cerezo!
“É mocinha, só tenha cuidado! Você é uma mulher inteligente. Você é uma modelo, imagina, você é uma modelo que desfila em Paris. Olha a sua importância e a sua importância para várias, várias e várias mulheres e pessoas que se sentem acuadas, que se sentem com vontade de explodir ou procurar essa felicidade que você está procurando e não têm coragem. Você que vive as dificuldades de fazer uma cirurgia como você fez, de lutar nesse mundo cheio de preconceitos. E saber que, realmente, você vai encontrar muita gente que vai pisar no seu pé, vai pisar no seu calo, mas você pode passar por cima. Com uma, duas, três palavras de doçura você vai superar tudo”. Fonte: Atos 4.20
Acho que sua acusação à Rede Globo de homofobia foi um tanto injusta. Existem muitos gays na Globo,e a influência das novelas da emissora foram fundamentais para a visível diminuição do preconceito homofóbico no Brasil,desde a década de 1990.
ResponderExcluirTalvez a própria Lea T tenha "banalizado" a cirurgia de mudança de sexo,como muitos transexuais fazem. Muitas pessoas que se dizem "insatisfeitas com seu sexo biológico", ficam tão ansiosas para mudar seus corpos,que preferem pular uma parte importantíssima do pré-operatório,que é o acompanhamento psicológico.