Segundo relato da ativista Daniela Andrade no Facebook, na manhã de hoje o jornalista da Rádio Estadão e advogado Antônio Penteado Mendonça, em seu quadro "Crônicas da Cidade", ao elencar os problemas na cidade de São Paulo, especificamente sobre o bairro do Butantã, incluiu as travestis em meio aos outros problemas como assalto, trânsito, dengue e etc.
As pessoas que se sentiram ofendidas ou constrangidas com tal comentário poderá denunciar a Rádio Estadão pelo crime de transfobia conforme disposto na Lei Estadual 10.948/01. Envie e-mail para diversidadesexual@sp.gov.br
A opinião transfóbica do colunista causou indignação a ativista que imediatamente se manifestou publicamente contra a atitude e pede providências a Rádio Estadão, confira o manifesto:
A opinião transfóbica do colunista causou indignação a ativista que imediatamente se manifestou publicamente contra a atitude e pede providências a Rádio Estadão, confira o manifesto:
"Todos os dias ouço a Rádio Estadão no caminho do trabalho, por volta das 10 da manhã de hoje o jornalista Antônio Penteado Mendonça fala nessa rádio opinando sobre problemas da cidade de São Paulo.
Hoje ele resolveu falar sobre problemas que atingem o bairro do Butantã, como sua opinião teve cunho extremamente transfóbico, e certa de que em uma cidade com quase 19 milhões de habitantes, ONGs, associações, entidades e advogados LGBTs também tenham se indignado e se manifestarão, transcrevo o que enviarei para a Rádio Estadão:
Caros jornalistas,
Eu sou Daniela Andrade, mulher trans, ativista e militante no estado de São Paulo; também membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB de Osasco/SP.
Escrevo-lhes como uma cidadã indignada, acontece que todos os dias acompanho a Rádio Estadão vindo para o trabalho. No dia de hoje (15/04), o jornalista Antônio Penteado Mendonça, por volta das 10 da manhã entrou no ar com suas opiniões acerca de problemas da cidade de São Paulo, como costumeiramente tem acontecido.
Ele dizia especificamente sobre transtornos que vem acometido o bairro do Butantã, elencou ele: os assaltos frequentes contra quem anda a pé ou de bicicleta, o trânsito infernal, OS TRAVESTIS (sic) e agora, a dengue. Na verdade, é certo que ele passou a versar sobre o problema da dengue, mas o que mais me tocou foi ele ter enumerado AS travestis (e não "os" travestis) como um dos problemas do bairro. Sabendo que ser travesti não é crime, que se trata de uma identidade legítima e que à luz da Constituição Federal e do estado democrático de direito essas pessoas merecem todo o respeito e deve lhes ser assegurada a dignidade da pessoa humana como a qualquer outro cidadão ou cidadã, e lembrando que a lei 10.948 de 2001 do Estado de São Paulo veda e prevê punição contra a discriminação sob qualquer forma e espécie também no que toca a identidade de gênero das pessoas travestis, gostaria de saber dos caros colaboradores da rádio se trocássemos a palavra "travestis" por outra população historicamente marginalizada e alijada de direitos fundamentais se a frase ficaria boa:
"Temos como problemas do bairro do Butantã os assaltos a quem anda a pé ou de bicicleta, o trânsito infernal, OS NORDESTINOS e agora a dengue".
ou
"Temos como problemas do bairro do Butantã os assaltos a quem anda a pé ou de bicicleta, o trânsito infernal, OS NEGROS e agora a dengue".
ou
"Temos como problemas do bairro do Butantã os assaltos a quem anda a pé ou de bicicleta, o trânsito infernal, AS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA e agora a dengue".
Enfim, por que será que nos três casos a indignação é imediata e fica muito fácil deslindar o preconceito gritante contido nessas afirmações? Respondo: Pois as travestis são desde sempre associadas a crimes e ao que há de pior na sociedade, inclusive por conta da força de opiniões de jornalistas como o caro Antônio Penteado Mendonça, em sua irresponsável atitude de naturalizar a discriminação contra essas pessoas, que a sociedade "coisificou", e já que são tomadas como coisas, fica a sociedade desde já isenta de respeitá-las e tratá-las humanamente.
Mas questiono eu, por que o caro jornalista não se pergunta por que a maioria arrasadora das travestis estão se prostituindo? Por que será que via de regra só sobra a essas pessoas a prostituição, o salão de cabeleireiro/beleza ou a operação de telemarketing, ou em grande parte o desemprego? Segundo dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% das travestis e transexuais se prostituem no Brasil. Que haja quem se prostitua por que quer muito, por que tem muita vontade é uma coisa, mas será mesmo que 90% de um grupo se prostitui por esses motivos? Qual outro grupo possui um contigente dessa magnitude se prostituindo?
É preciso lembrar também que a prostituição não é crime no Brasil, mas sim a exploração sexual. Que uma pessoa que se prostitui não deixa (ou não deveria deixar) de ser considerada cidadã para o estado brasileiro e como tal, também aqui a dignidade da pessoa humana, o respeito à identidade dessas pessoas continua sendo devido.
Quando a rádio Estadão irá tratar as travestis como sujeitos de direito, ao invés de usar de sua concessão pública para difundir ideias transfóbicas, preconceituosas sob a forma de mera opinião? É preciso também salientar que o direito à livre expressão encontra, conforme preconiza a carta magna e tratados internacionais, um limite; e esse limite se ampara no que toca o desrespeito, a discriminação, a difusão de ideias que desde sempre tem contribuído para que também as travestis permaneçam sendo tratadas não como gente, mas como portadoras da identidade de coisa. E como portadoras da identidade de coisa, devem imaginar que não é direito das travestis se ofenderem quando as associam a tudo que não presta, ao que é criminoso: "assaltos", "trânsito infernal" e "dengue": crimes, doenças e problemas sociais que NADA, leiam: NADA tem a ver com as travestis. Pois quando uma população é instada às margens da sociedade, sociedade essa que inclusive por meio da mídia usa dessa população para criminalizá-la, exotificá-la, desumanizá-la e ridiculariza-la, fica extremamente difícil falar em "escolha pelo crime", "escolha pela marginalidade".
É mister também lembrar que as travestis em sua grande parte se sentem respeitadas sendo tratadas no feminino, e que quem tem mais propriedade para designar um grupo é o próprio grupo; em que pese o direito supostamente inequívoco que os grupos sociais hegemonicamente dominantes têm reclamado também no que diz respeito a isso. E se as travestis preferem ser tratadas no feminino, também aqui estamos falando de respeito à dignidade da pessoa humana, também aqui estamos falando de respeito à identidade de gênero. E, em detrimento do que a sociedade leigamente diz saber e propaga, ser travesti não é ser um homem gay que usa roupas de mulheres, ser travesti é reivindicar um gênero outro que aquele grafado quando se nasceu. Não estamos falando do campo do desejo, do afeto, da orientação sexual; mas do campo do gênero, da autoidentificação. A identidade travesti vai para além da historicidade etimológica do substantivo "travesti" ou do verbo "travestir".
Transmito o meu repúdio à opinião desse jornalista que mais uma vez contribui para vermos o que desde sempre a mídia tem feito: contribuído para que as travestis permaneçam sendo vistas e tratadas de forma discriminatória, invisibilizadas como pessoas que possuem direitos que devem ser averiguados. E espero que a Rádio Estadão descubra a diferença entre liberdade para se expressar e liberdade para oprimir: e que a opressão tem causas múltiplas e acomete o tecido social por diversos meios, camufladas muitas vezes sob a forma de meras piadas, mera opinião sem força, sem peso, sem contexto. A palavra possui força, e um jornalista como profissional da palavra deve ou deveria saber disso muito bem.
Atenciosamente,
Daniela Andrade
danielaemtranse@gmail.com"
Este blogueiro, se solidariza e também se manifesta contra a posição transfóbica do jornalista entendendo que tal comentário alimenta o estigma e a discriminação do qual as pessoas travestis e transexuais estão vulneráveis.
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