Depoimento de assassino confesso não deixa dúvidas: morte de João Donati foi crime homofóbico

“Ele quis fazer gracinha comigo”, disse o lavrador ao admitir o crime

Artigo de Felipe Martins publicado originalmente em Blog do Jornal O DIA

Nesta sexta-feira, foi finalmente preso o assassino do garçom João Donati, 18 anos. Como você leitor deste artigo já deve saber o garoto homossexual foi encontrado morto em um terreno baldio na cidade goiana de Inhumas. O autor do crime, o lavrador Andrie Maycon Ferreira, 20 anos, prestou depoimento à delegacia da cidade. Contou que manteve relações sexuais com o adolescente e o matou porque ele insistiu para ser ativo na relação. o delegado que investiga o caso parece que descartou a hipótese de homofobia e trabalha com a de ‘crime passional’ (oi?). Mas vamos aos fatos.

“Eu não matei ele por ele ser gay. Eu até gosto, não tenho nada contra eles. O problema foi que ele quis fazer gracinha comigo”, disse o lavrador no depoimento, conforme revelou o jornal O Popular.

Mesmo com o caso ainda em andamento e ainda a passar pela Justiça, vamos tomar como base esse trecho do depoimento. A leitura de um apressado pode resultar nas seguintes perguntas com respostas prontas e superficiais. Onde está a homofobia? O cara não deixou claro que não tem problemas com gays? Pois bem, mesmo a última frase do depoente deixa clara a questão homofóbica.

1) A forma como o crime foi cometido não deixa dúvidas quanto ao ódio impregnado em sua prática. Primeiro o adolescente foi enforcado até desmaiar e, em seguida, o assassino ainda colocou papéis na boca para provocar a asfixia. “Eu não queria matá-lo, foi por causa do calor da briga, um momento de descuido”, disse o lavrador. Qualquer leitor primário percebe a brutalidade do crime. Não bastou apenas enforcar, era necessário também provocar a asfixia lenta e com requintes de crueldade, com papeis colhidos ao redor do corpo de João Donati e colocados em sua boca.

2) A tese da luta corporal é frágil diante das evidências, o laudo do IML apontou que o garçom tinha vários hematomas no rosto e no resto do corpo, enquanto que o assassino, segundo o delegado “tinha alguns arranhões”. Que luta corporal é essa que só deixa marcas em um dos agredidos?

3) O renomado professor da Universidade de Paris, Daniel Borrillo, especialista em sexualidade, escreve em seu fundamental livro “Homofobia”, palavras que remetem diretamente ao crime cometido no centro-oeste brasileiro: “muitos homens que assumem um papel ativo na relação com outros homens não se consideram homossexuais (…). Mas não basta ser ativo, é preciso que a penetração não seja acompanhada de afeto, pois isso coloca em perigo a imagem de sua masculinidade. Eis então como, a partir de uma negação, vários homens, mesmo tendo relações homossexuais regulares, podem recusar toda e qualquer identidade gay e ser homofóbicos. O ódio serve à reestruturação de uma masculinidade frágil, que necessita se reafirmar por meio do desprezo dos outros-não-viris: o frouxo e a mulher”.

4) O assassino nega ser homossexual apesar de admitir que se relacionou outras vezes com homens. Ele repete aquele chavão comum na sociedade do “homem que come viado”: um ser que seria pertencente a uma categoria diferente, para não dizer, separada dos homossexuais. Ele responde a um desejo social que hierarquiza as “perversões”, classificando o homem penetrado como em um nível mais baixo àquele que penetra outro homem. Não é incomum quando um filho assume ser homossexual para a família, um pai ou uma mãe a ele perguntar se dá ou come, assim como também não é incomum que, numa roda de amigos heterossexuais, um cara que “come viado” seja ainda aceito entre eles, mas, se um dia num porre de sinceridade resolver admitir que já deu a bunda, será excluído para sempre entre seus pares.

5) Levando em consideração seu depoimento, o lavrador levou ao extremo o discurso machista e homofóbico persistente em nossa sociedade: tomou para si a vítima como objeto simultâneo de desejo e repulsa e a descartou no momento em que esta o afetou em seu frágil papel de macho, no momento em que tentou lhe tirar o exercício de poder, de domínio delegado somente ao homem heterossexual. “Ser homem é antes de tudo não ser mulher”, como escreveu Borillo. A penetração, na visão machista e homofóbica, iguala o homem ao papel a que cabe apenas seres inferiores, a mulher e o viado.

Não, senhoras e senhores homofóbicos, a morte de João Donati não foi causada apenas por uma briga “entre dois viados”. Foi fruto de uma sociedade que marginaliza, subjuga o diferente, que tenta manter a todo custo o predomínio do ideário de superioridade da raça branca-heterossexual- abastada sobre os demais. Essa é a verdadeira “classe especial cheia de direitos”, homofóbicos!

Urge acabar com a morte de LGBTs em todo o país. Isso não e pedir privilégios. É apenas o direito à proteção contra o esmagamento diário reproduzido em lares, locais de trabalho, espaços públicos e privados de convívio coletivo. Por isso, urge uma lei que criminalize a homofobia neste país. Mas, acima disso, urge um projeto de sociedade com respeito às diferenças, com direitos e deveres iguais para todos.



Comentários

  1. Esse crime nao foi cometido por um só. É muito requinte de violencia pra ter cido uma so pessoa. Nossa sociedade eh tao injusta e discriminatoria que prefere acobertar os verdadeiros autores desse crime do que discutir a homofobia em tempos de eleiçoes. Depois dizem que a eleiçao eh o pleno exercicio da cidadania e da democracia. Soh se for para os heteros. na verdade essas eleçoes sao uma festa
    Ra heteros em que os gay pagam pra entrar mas são barrados de participar. Nao podemos mais aceitar que os homofobicos disfarçados de homens de Deus permitam essas atrocidades. Temos que formar nossas lideranças e fazer nossos direitos serem reconhecidos. A hora eh agora, votem em candidatos gays de seus estados.

    ResponderExcluir
  2. Não sei se eu estou por fora mas não tinha um bilhete junto com o corpo onde estava escrito "vamos acabar com essa praga"?

    ResponderExcluir
  3. Então o cara transa c homens e é homofobico? Tipo um judeu negro e nazista?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, pode. Muitas mulheres são machistas, negros racistas....

      Excluir
  4. E as pernas quebradas?? É o bilhete escrito com discurso de ódio aos gays !! Alguma coisa não está encaixando e não preciso ser detetive para chegar a esta conclusão! Estão escondendo algo ou alguma coisa!

    ResponderExcluir

Postar um comentário